02/03-São Paulo 4x0 Paulista Morumbi
05/03-Comercial SP 0x2 São Paulo Palma Travassos
08/03-São Paulo 4x0 Ferroviária Morumbi
16/03-São Paulo 0x0 Guarani Morumbi
19/03-São Paulo 2x1 Marília Pacaembu
23/03-América SP 0x1 São Paulo Mário Alves de Mendonça
29/03-Corinthians 0x2 São Paulo Pacaembu
05/04-São Paulo 1x1 XV de Piracicaba Morumbi
13/04-Portuguesa 0x0 São Paulo Pacaembu
16/04-Portuguesa Santista 0x1 São Paulo Ulrico Ursa
20/04-Ponte Preta 1x2 São Paulo Moisés Lucarelli
23/04-Botafogo SP 0x1 São Paulo Santa Cruz
26/04-São Paulo 3x2 Juventus SP Morumbi
04/05-São Paulo 2x0 Santos Morumbi
07/05-São Paulo 2x1 São Bento Morumbi
10/05-SAAD EC 0x1 São Paulo Pacaembu
18/05-Noroeste 0x0 São Paulo Alfredo de Castilho
25/05-São Paulo 1x0 Palmeiras Morumbi
29/05-São Paulo 3x0 Portuguesa Morumbi
01/06-Marília 1x3 São Paulo Bento de Abreu
08/06-Portuguesa 1x1 São Paulo Pacaembu
15/06-Paulista 0x1 São Paulo Jayme Cintra
25/06-São Paulo 3x0 São Bento Morumbi
29/06-São Paulo 1x0 Santos Morumbi
05/07-São Paulo 3x1 Comercial SP Morumbi
10/07-São Paulo 5x0 Noroeste Pacaembu
13/07-Botafogo SP 2x4 São Paulo Santa Cruz
20/07-Palmeiras 1x1 São Paulo Pacaembu
27/07-São Paulo 1x1 Portuguesa Morumbi
30/07-América SP 0x1 São Paulo Mário Alves de Mendonça
03/08-São Paulo 0x0 Palmeiras Morumbi
07/08-Santos 2x1 São Paulo Morumbi
10/08-São Paulo 2x1 Corinthians Morumbi
14/08-São Paulo 1x0 Portuguesa Morumbi
17/08-Portuguesa 1x0 São Paulo Morumbi
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
40 ANOS DO CAMPEONATO PAULISTA DE 1975
Fonte: Alexandre Giesbrescht
https://jogosdosaopaulo.com.br/40-anos-do-campeonato-paulista-de-1975-ce5f6fe3b8a7
Quando falava do São Paulo que estrearia no Campeonato Paulista, naquele
distante 2 de março de 1975, exatos quarenta anos atrás, o técnico José
Poy respondia com uma pergunta retórica: “Quem está melhor do que nós?”
Mesmo assim, o Palmeiras, que manteve o elenco campeão estadual de 1974
apenas dois meses e meio antes, era apontado como favorito pel’O Estado de S. Paulo.
“Campeão de 74, favorito de 75”, decretava uma manchete do jornal
naquele dia. As manchetes dos outros quatro grandes eram: “Lusa, sem
ilusões”, “Santos inicia mais animado”, “O satisfeito S. Paulo” e
“Corinthians não deve ter esperança” — o clube de Parque São Jorge tinha
acabado de completar duas décadas de jejum, e o Estadão aproveitou para publicar um cartum de Zélio Alves Pinto, irmão de Ziraldo, ilustrando tal manchete.
Apenas
São Paulo e Palmeiras começaram bem o torneio. O São Paulo goleou o
Paulista de Jundiaí por 4 a 0, com dois gols nos primeiros quinze
minutos de jogo. Marcaram Chicão, Muricy, Zé Carlos Serrão e Serginho.
Já o Palmeiras ganhou por 3 a 0 da Portuguesa Santista. Enquanto isso, a
Portuguesa suou para vencer a Ferroviária por 1 a 0, o Corinthians
empatou por 1 a 1 com o XV de Piracicaba e o Santos perdeu em casa para o
Marília, por 2 a 1. Esses resultados podiam dar a impressão de que o
título do primeiro turno ficaria entre São Paulo e Palmeiras. Essa
impressão acabaria rapidamente dissipada, porém a própria confecção da
tabela sugeria que até mesmo a Federação Paulista imaginava que esse
seria o desfecho, por isso marcou o clássico entre os dois para a última
rodada. Afinal, os dois times tinham decidido o Paulistão em 1971 e em
1972, além do Brasileiro de 1973 e do confronto entre ambos na primeira
fase da Libertadores de 1974. Cada rival levou vantagem duas vezes.
Três semanas após o início do campeonato, o Tricolor já tinha desagarrado na ponta, embora com jogos a mais. A Folha de S. Paulo
do dia 24 escreveu que “cinco clubes disputam o título” (os ainda
invictos São Paulo, Palmeiras, Guarani e Corinthians, além da
Portuguesa — o Santos tinha quatro derrotas em cinco jogos). Já na
rodada seguinte, o Palmeiras perdeu sua invencibilidade, frente ao Saad,
de São Caetano.
Mais
uns dias se passaram, e caiu também o Corinthians, perante o São Paulo: 2
a 0. Com seis vitórias em sete jogos e o atacante Serginho dividindo a
artilharia do campeonato com Itamar, do Marília, o Tricolor mereceu a
manchete “São Paulo, um futebol bem perto da perfeição” na Folha
do dia 31, que ainda exaltou: “Antes de se tentar explicar esse time
líder, invicto, com o melhor ataque, o artilheiro do campeonato, a
defesa menos vazada e o melhor goleiro, é preciso lembrar que, de todos
os times do Campeonato Paulista, foi o único que realmente teve a
preocupação de treinar para chegar ao título. […] O desajustado Corinthians foi a última vítima do São Paulo, onde o maior craque é a união.”
Após
a 16.ª rodada, o time só não tinha conquistado o título do primeiro
turno com duas rodadas de antecedência porque o Palmeiras conseguiu
bater o Corinthians no último minuto, com um gol de Edu. Mesmo assim, o
alviverde tinha dois jogos a menos e remotas possibilidades de alcançar o
rival: precisaria ganhar os quatro jogos que lhe faltavam, ver o
Tricolor perder seus dois últimos jogos e descontar uma diferença de
sete gols de saldo. Os próprios jogadores palmeirenses diziam acreditar
que estavam apenas adiando a festa são-paulina por alguns dias.
E foram
apenas alguns dias, mesmo. Três dias após vencer o Corinthians, o
Palmeiras empatou sem gols com a Ponte Preta, e o São Paulo garantiu o
título do turno sem entrar em campo. Bem, tecnicamente,
o São Paulo estava em campo, pois, ao mesmo tempo em que o rival jogava
no Parque Antártica, um misto são-paulino fazia um jogo-treino contra o
Indiano. Quando o jogo que valia acabou, Poy e o presidente Henri Aidar
ficaram sabendo, pelo rádio, e se abraçaram. Aidar ainda provocou: “O
Palmeiras tirou o brilho da nossa vitória final.”
Poy garantiu que seguiria mandando o time titular a campo até o fim do turno: “Faço questão que [o São Paulo]
jogue completo até o fim, para ser um campeão de fato.” Na penúltima
rodada, o Noroeste segurou o empate sem gols com o São Paulo, que perdeu
apenas seu terceiro ponto, todos em empates. E a última rodada previa o
Choque-Rei. “Já pensou se eles [o São Paulo]
terminarem o primeiro turno com sete pontos à nossa frente? Vai parecer
que o time deles é melhor que o nosso, quando, na verdade, não é e foi
apenas mais regular até agora”, questionou o zagueiro palmeirense Luís
Pereira, às vésperas do clássico. O volante Dudu também acreditava na
vitória de seu time: “É gostoso demais quebrar uma invencibilidade como
essa.” Toda essa empáfia não adiantou nada, e o São Paulo saiu vencedor,
mesmo com uma atuação pouco inspirada, o bastante para a vitória por 1 a
0 — gol de Pedro Rocha, aos 27 minutos do segundo tempo. O “meio”
título foi motivo para uma festa da torcida que alcançou a madrugada na
cidade.
Ao
final do turno, o Tricolor acabou, sim, sete pontos à frente do
Palmeiras 33×26), que não ficou nem com o vice-campeonato: este coube ao
Corinthians, que bateu a Portuguesa Santista por 3 a 1 e foi a 27
pontos. O “meio” título são-paulino representou a classificação
garantida para a final do campeonato, isso se não conquistasse também o
segundo turno, o que lhe daria o troféu.
Se
o primeiro turno teve a fórmula bastante simples, com todos jogando
contra todos, o segundo trazia uma invencionice, tornando aquele o
primeiro Campeonato Paulista com fórmula verdadeiramente “mirabolante”.
Os dezenove times seriam divididos em dois grupos e jogariam apenas
contra os times da chave oposta. Os três primeiros colocados de cada
grupo classificar-se-iam a um hexagonal que decidiria, em turno único, o
campeão do segundo turno. Não ficou claro como foi feita a divisão dos
grupos, mas ela não pareceu ter nada a ver com a classificação dos
clubes no primeiro turno.
Poy
queria manter o ritmo no returno, algo que ele não conseguira fazer nas
últimas rodadas da primeira fase, quando o time claramente tirou o pé
do acelerador e venceu partidas quase que por osmose. A atuação na
estreia, uma vitória por 3 a 0 sobre a Portuguesa Santista, sugeriu que o
São Paulo estava no lugar certo, porém o técnico não ficou satisfeito,
alegando que o adversário não jogou fechado na defesa, como era o
esperado.
A
despeito disso, o São Paulo seguiu na mesma toada. Em oito rodadas,
tinha sete vitórias e um empate, garantindo matematicamente a
classificação à segunda fase após a goleada por 5 a 0 sobre o Noroeste,
no Pacaembu — que recebeu, naquela noite, rodada dupla; no mesmo local o
Palmeiras bateu o Juventus por 2 a 1. Novamente, a tabela reservou para
a última rodada o Choque-Rei. E, novamente, a motivação do Palmeiras
era quebrar a invencibilidade são-paulina. “Nós vamos quebrar essa série
invicta e dar uma vitória de presente ao [técnico] Valdir [de Moraes]”, avisou Luís Pereira. “A gente só estava torcendo para o São Paulo continuar invicto até chegar a vez de nos enfrentar.”
Mas
também não foi dessa vez, e o São Paulo alcançou a marca de 36 partidas
sem ser derrotado, superando a série invicta que o Corinthians obtivera
em 1957. Se fossem incluídos os jogos do Torneio Laudo Natel e da
amistosa Copa São Paulo, a marca era de 43 partidas, a maior do futebol
paulista na era do profissionalismo. O Palmeiras jogou um pouco melhor
no início do jogo e abriu o placar aos 32 minutos, com Leivinha. Melhor
no segundo tempo, o Tricolor alcançou o empate com Muricy, de sem-pulo.
“O São Paulo é isso, mesmo, resultado da força de todos”, explicou o
então garoto, hoje o técnico tricolor. “Chegamos ao empate com calma e
vontade.”
Os
tricolores também reclamaram da violência do adversário, especialmente
do ex-são-paulino Édson Cegonha. “A gente sabe que o Édson é bastante
revoltado, mas ele não precisava entrar com tanta violência”, protestou
Zé Carlos Serrão. O volante palmeirense defendeu-se: “O que houve foi
muita encenação por parte dos jogadores do São Paulo. No intervalo, fui
perguntar se o Zé [Carlos]
havia sido substituído por ter-se machucado no lance comigo, e os
jogadores do São Paulo falaram que não. Acho que o que impressionou foi
aquela bola alta que disputei com ele. Eu levantei o pé um pouco, sou
alto, e ele abaixou a cabeça e já é baixo. Mas não o atingi ali nem
depois. Não com maldade ou deslealdade.”
No
grupo A, a Portuguesa terminou na frente, com os mesmos catorze pontos
do Palmeiras, mas levando vantagem no saldo. A terceira vaga ficou com o
Santos (onze pontos). Já no B, o São Paulo mais uma vez sobrou,
alcançando dezoito pontos (oito vitórias e dois empates em dez jogos) e
ficando cinco pontos à frente do América de São José de Rio Preto no
grupo B. A classificação do América foi a grande surpresa, pois ele
acabou desbancando o Guarani, quarto colocado, enquanto o Corinthians
ficou na terceira colocação, depois de ter sua vaga ameaçada na metade
do returno.
O
alvinegro acabou prevalecendo sobre o Guarani no saldo de gols, após
ambos terminarem com doze pontos. Os campineiros, entretanto, reclamaram
de um gol anulado na partida contra o Botafogo de Ribeirão Preto, pela
última rodada, quando a vitória lhes teria dado a vaga e eliminado o
Corinthians. “Perdemos a nossa vaga para o [árbitro]
Armando Marques”, vociferou Leonel Martins de Oliveira, presidente do
Guarani. A reclamação e o protesto na Federação não deram em nada.
O
hexagonal foi chamado pela Federação Paulista de “Série Especial
Independente”. A excelente vantagem conquistada pelo São Paulo de nada
serviria nesse desdobramento do segundo turno, pois as seis equipes
começariam do zero. Seria uma fase de tiro curto, com apenas cinco jogos
para cada clube. Embora a tabela tenha sido divulgada com as datas, a
Federação reservou-se o direito de determinar os horários sem muita
antecedência, de acordo com seus interesses financeiros. Todas as
partidas foram marcadas para o Morumbi ou Pacaembu, mesmo aquelas em que
o América fosse o mandante. Não que o time tenha reclamado disso: sua
expectativa eram as grandes rendas que pudessem ser proporcionadas.
A
estreia são-paulina foi num empate por 1 a 1 com a Portuguesa, no
Morumbi. Logo aos três minutos, Serginho teve um gol anulado por um
duvidoso impedimento. “Só o bandeirinha viu impedimento”, lamentou o
atacante. O São Paulo seguiu dominando, mas foi a Lusa que abriu o
placar, com Enéas, aos 22 minutos. No segundo tempo, foi o time do
Canindé que começou avassalador, e Waldir Peres fez duas grandes defesas
antes dos cinco minutos. Aos sete, entretanto, Serginho empatou após
cruzamento de Terto. “O gol [anulado]
do Serginho foi legal”, reclamou Poy. “A Federação deve tomar cuidado
quando escala bandeirinhas para jogos importantes. Nosso time ficou
nervoso e começou a se preocupar com o juiz, prejudicando o seu
futebol.”
Apesar
do resultado, Serginho ainda achava que o time sairia campeão naquela
fase: “Todas as partidas são encaradas como decisão de campeonato. A
nossa vontade é maior que a das outras equipes.” Na partida seguinte, o
São Paulo teve problemas contra o surpreendente América, que já tinha
arrancado um empate sem gols do Corinthians na primeira rodada. A meta
do goleiro Luís Antônio só foi vencida aos 33 minutos, quando Liminha
pegou o rebote do chute no travessão de Serginho e marcou o único gol da
partida. O jogador tinha entrado no lugar de Zé Carlos Serrão, aos
treze minutos da segunda etapa, para seu primeiro jogo desde uma grave
contusão que sofrera em 14 de março.
Assim
como no domingo, os jogadores saíram de campo reclamando do árbitro, que
deu cartão amarelo a Serginho quase no fim do jogo, por uma falta
involuntária em que ele estava de costas para o lance. Era o terceiro
amarelo do centroavante, que, assim, ficava suspenso para o clássico
contra o Palmeiras. “A bola veio para mim, alta”, explicou. “Eu dei uma
puxada de costas para o gol, e aquele zagueiro do América se atirou no
chão, simulando contusão.Eu nem encostei nele, e isso pode ser provado
pelo videotape.” Ele não parou
por aí e teceu grave acusação contra o árbitro José Favilli Neto: “O
máximo que ele poderia ter feito era assinalar falta. Mas não. Ele sabia
que eu estava com dois cartões e mostrou o terceiro, sabendo que,
assim, o São Paulo seria prejudicado nessa partida difícil contra o
Palmeiras.”
No
dia seguinte, uma rodada dupla no Morumbi teve a torcida também dos
são-paulinos. Vitórias da Portuguesa sobre o Palmeiras e do Santos sobre
o Corinthians deixariam o time em uma boa situação para as três rodadas
que faltavam. E essas vitórias vieram: a Lusa marcou 3 a 0, e o Santos,
2 a 0. O São Paulo não era líder (a Portuguesa tinha os mesmos três
pontos e melhor saldo), porém o Palmeiras estacionou nos dois pontos, em
vez de chegar a quatro.
E
ele seria o próximo adversário tricolor, no jogo de fundo de nova
rodada dupla no Morumbi. Mais uma vez, a série invicta do rival foi
assunto no Palmeiras antes do jogo. “Já pensaram se quebrarmos a
invencibilidade do São Paulo?”, perguntou Luís Pereira. “O Palmeiras
ficará bem na classificação, nós ficaremos muito entusiasmados e nem sei
o que pode acontecer com os jogadores do São Paulo.”
Mas
também não foi desta vez. O Palmeiras impôs uma forte marcação e não
impediu apenas os gols, mas também a criação de jogadas de grande
perigo. “Assim não dá mais para jogar”, protestou Muricy. “Eles não
deixaram a gente jogar! Precisavam da vitória, mas entraram para
empatar.” O técnico Valdir de Moraes discordava e culpava a ausência de
seus zagueiros titulares, Luís Pereira e Alfredo Mostarda: “Claro que,
sem eles, eu tinha que tomar algumas precauções. Mas não para empatar.”
Houve muitas vaias da torcida, embora Poy tenha culpado torcedores de
Corinthians e Portuguesa, que teriam permanecido no estádio após a
preliminar entre os dois clubes — que terminara empatada por 1 a 1,
resultado que não foi de todo ruim para o São Paulo, ainda um dos
líderes, ao lado da Lusa. A manchete do Jornal da Tarde foi “Setenta mil pessoas vaiaram este jogo”.
O
jogo entre América e Portuguesa foi realizado na quarta-feira, 6 de
agosto, um dia antes do restante da penúltima rodada. E a segunda fase
do segundo turno começou a ser decidida ali. O time interiorano saiu na
frente, aos cinco minutos do segundo tempo, após escanteio que o goleiro
Zecão não conseguiu afastar. A bola sobrou para Paulinho marcar, de
primeira. Dois minutos depois, o empate da Lusa, com Tatá completando
após dividida entre Wilsinho e o goleiro Luís Antônio. E fim de jogo.
Sim,
porque, no início do lance, o assistente Mauro Félix da Silva marcou
impedimento de Enéas, mas o árbitro Roberto Nunes Morgado ignorou-o e
deixou a jogada seguir, até o gol. Os jogadores do América negaram-se a
dar prosseguimento ao jogo, enquanto Morgado, irredutivelmente,
recusava-se a consultar o bandeirinha, que permaneceu, impávido, na
mesma posição. Por cerca de doze minutos, houve muita discussão, com
invasão de campo por parte do técnico Urubatão e do diretor de Futebol
Hélcio de Barros, ambos do time visitante, até que Morgado ordenou, pela
última vez, que a saída fosse dada.
Não
foi. Assim, ele apitou o final do jogo, não sem antes expulsar o
zagueiro Miro, que o teria chamado de ladrão (Miro negou). Segundo
Urubatão, ele foi voto vencido na decisão de “melar o jogo”, ideia do
presidente Benedito Teixeira. Morgado e seus assistentes deixaram o
gramado sob escolta policial, enquanto os jogadores americanos ficavam
batendo bola e dando entrevistas. Eles só voltariam ao vestiário muito
depois da saída do trio de arbitragem. Alguns criticaram a decisão do
presidente, alegando que deveriam ter dado prosseguimento à partida e,
em seguida, simulado contusões até ficarem sem o limite mínimo de
jogadores em campo, o que teria sido sugerido por Barros.
“Estamos
há um tempão longe de casa, concentrados em São Caetano”, lamentou
Urubatão. “Mostramos que temos condições de fazer jogo duro com todos os
grandes. E aí aparece um juiz como esse e liquida com todo o nosso
trabalho. Temos que entender que nossos jogadores são humanos e não
podem aguentar certas coisas.”
“Em
nenhum momento duvidei da validade do lance”, afirmou o árbitro, ainda
no estádio. Ele seria contradito pelas imagens da televisão, não pelo
impedimento, que não ficou evidente, mas pela falta clamorosa de
Wilsinho em Luís Antônio, que foi impedido de tentar defender o chute de
Tatá. (Curiosamente, Morgado era o árbitro que tinha anulado um gol de
Serginho, do São Paulo, contra a mesma Portuguesa, duas semanas antes.
Na ocasião, ele havia validado o gol, mas voltou atrás depois de ver que
seu assistente tinha dado impedimento no lance. As imagens da televisão
também foram contra sua decisão final, ao mostrarem que o atacante
são-paulino tinha condições de jogo.)
Muricy Ramalho em ação em 1975
No dia
seguinte, o departamento técnico da Federação Paulista de Futebol
reuniu-se para elaborar um parecer para o Tribunal de Justiça
Desportiva, prontamente referendado pelo presidente da FPF, José Ermírio
de Moraes Filho. A recomendação foi de declarar a Portuguesa vencedora
da partida, pelo placar de 1 a 0. Mesmo antes do julgamento, que só
ocorreria na semana seguinte, o veredicto já estava preparado. O diretor
do departamento técnico da federação explicou: “O juiz é quem decide.
Se ele não tiver dúvidas, aponta para o meio-de-campo. Se estiver
indeciso, baseia sua decisão em alguma assinalação que o bandeirinha
pode ter feito durante a jogada. Mas tudo isso de longe. Nada de
diálogos.”
Apesar
de o advogado do América, José Geraldo Góis, bradar aos quatro ventos
que não admitiria uma decisão da federação antes do julgamento, uma
reunião entre Teixeira e Ermírio de Moraes já parecia ter deixado claro
que o “diabo” acataria a pena que lhe fosse aplicada. O São Paulo, que
brigava ponto a ponto com a Portuguesa, saiu fumegando da história. Ao
jogar no dia seguinte, contra o Santos, o presidente Henri Aidar
apontava para as arquibancadas vazias (o público foi de pouco mais de 23
mil pagantes, irrisório para a época) e reclamava: “É claro que o
público tem de ser pequeno. O pessoal já sabe que, para conhecer o
resultado do jogo, é preciso esperar pelo relatório dos juízes.”
Naquele
momento, a única atitude que o São Paulo garantia que iria fazer era
solicitar uma punição a Morgado, mas seus dirigentes não descartavam a
ideia de recorrer ao TJD, como terceiro interessado. O diretor de
Futebol José Douglas Dallora, contudo, não tinha grandes esperanças de
sucesso: “O América foi um pouco ingênuo ao tirar o time de campo. Com
isso, vai ser muito difícil evitar que perca os pontos do jogo.”
Se
o São Paulo tivesse vencido o Santos naquela noite, talvez nem
precisasse se preocupar muito com decisões extracampo, mas perdeu o jogo
e a invencibilidade de quase nove meses (39 jogos pelo Campeonato
Paulista; 46 no total): 2 a 1, com dois gols de Cláudio Adão e um de
Pedro Rocha. A uma rodada do fim da fase decisiva, América e Palmeiras
já não tinham mais chances, enquanto São Paulo, Santos e Corinthians
tinham quatro pontos, dois atrás da Portuguesa. Como tinha o mesmo saldo
do Santos, ao São Paulo restava apenas vencer o Corinthians e torcer
para o Santos bater a Lusa — e o Tricolor teria de compensar o melhor
saldo lusitano, além de não permitir que o peixe, então com o mesmo
saldo, aumentasse essa diferença.
Mesmo
com a possibilidade de uma combinação de resultados, os jogos não foram
concomitantes. Foi marcada uma rodada tripla para o Morumbi, no
domingo, com os dois eliminados fazendo a abertura, às 13h30, seguida
pelo Majestoso, às 15h30, e por Santos × Portuguesa, a partir das 17h30.
“Gostaram da novidade?”, jactou-se Ermírio de Moraes. “Resolvemos
assim, incluindo mais um jogo, como presente ao público paulista.”
(América e Palmeiras ficariam cada um com 5% da renda líquida a que os
outros quatro times teriam direito.)
O
São Paulo até venceu o Corinthians, por 2 a 1, com dois gols de
Serginho, mas esse resultado já o alijava da briga. O Santos também
venceu, mas faltou-lhe um gol: o 1 a 0 deu o título para a Portuguesa,
mesmo com os três times terminando empatados com seis pontos. Quer
dizer, ainda faltavam os recursos de Santos e São Paulo ao TJD. O do São
Paulo não buscava mais repor ao menos um ponto ao América, mas, sim, a
questionar a regra do saldo de gols como critério de desempate.
Não o
saldo de gols em si, mas os jogos a que ele se referia. Para o São
Paulo, o desempate deveria levar em consideração o saldo de gols do
segundo turno inteiro, incluindo a primeira fase do mesmo: assim, teria
um saldo de 20, contra 13 da Portuguesa e 4 do Santos. “É saldo de gols
de todo o segundo turno, e não apenas destas finais”, protestava o
médico são-paulino, Dalzell Freire Gaspar. “A não ser que o campeonato
tenha tido três turnos. Se teve, o São Paulo venceu dois; se teve dois
turnos, o saldo de gols deve ser válido por todo o segundo turno.” O
argumento até faz algum sentido, mas o regulamento tinha sido aprovado
por todos os clubes antes de o torneio começar…
No
dia seguinte ao jogo, a sede da FPF, na Avenida Brigadeiro Luís
Antônio, recebeu um grande movimento de cartolas e jornalistas. O
presidente da Portuguesa, Osvaldo Teixeira Duarte, demonstrava
confiança: “Meu amigo Zé Ermírio empenhou sua palavra de honra que a
Portuguesa é campeã. A palavra do presidente vale muito para mim.” Aidar
também: “Viemos buscar o título que nos pertence. Isto não é um
recurso. É apenas um pedido de interpretação do regulamento. Por que
considerar a fase final do segundo turno como quase um terceiro turno,
com os times começando com o saldo de zero?”Mas o parecer final do departamento técnico foi definitivo: “O
regulamento é claro. A Portuguesa é campeã.” Ermírio de Moraes
ratificava: “As equipes estavam em chaves diferentes no segundo turno e
não disputaram o mesmo número de jogos.” Isso antes mesmo de aparecer o
recurso do Santos, o que só ocorreria no dia seguinte. Correu a notícia
de que o clube também entraria com uma liminar solicitando o adiamento
das finais do campeonato, já marcadas para aquela quarta-feira e o
domingo seguinte, mas rapidamente esse boato desfez-se.
As
finais teriam um confronto que vinha sendo equilibrado ao extremo: as
dez partidas anteriores entre os dois clubes tinham terminado empatadas,
desde 1973. Mas, ao menos no primeiro tempo do jogo de ida, o domínio
foi todo do São Paulo, que pressionou bastante, mas só conseguiu marcar a
dois minutos do intervalo. Muricy ganhou uma dividida com Calegari, e a
bola sobre para Terto. O ponta cruzou para Pedro Rocha, que emendou de
primeira, no canto oposto do goleiro Zecão.
Os
jogadores lusitanos argumentaram que Muricy teria ganho a dividida com a
mão, mas o árbitro Armando Marques depois explicaria: “O lance foi
totalmente acidental.” O apresentador de TV Fausto Silva, então repórter
d’O Estado de S. Paulo, escreveu, na crônica do jogo: “[As] reclamações [da Portuguesa]
não tinham fundamento real.” Isso não impediu que os protestos fossem
veementes, como o do presidente da Portuguesa, Osvaldo Teixeira Duarte:
“Senhor José Ermírio [de Moraes, presidente da Federação Paulista],
seja homem! Entregue a cadeira da Federação ao senhor Armando Marques.
Ele demonstrou, mais uma vez, que manda no futebol paulista e é mais
homem que muitos dos que estão aí, ocupando cargos.”
No
segundo tempo, a Lusa buscou o empate e pressionou bastante, mas não
conseguiu vencer a zaga são-paulina. Nos minutos finais, o São Paulo
reassumiu o domínio, mas perdeu algumas chances de definir o jogo.
Acabou não precisando delas, e a partida terminou com o placar mínimo,
mesmo. Depois do apito final, Zecão partiu para cima de Armando Marques:
“Você não é homem! Na próxima vez em que eu te encontrar, você vai
apanhar! Eu posso acabar com a minha carreira, mas você vai apanhar,
ouviu? Nem que seja na rua.” Armandinho deu de ombros: “Muita gente tem
desejo de fazer isto ou aquilo, mas não o faz.”
No
lado do São Paulo, Aidar já comemorava o título, que, para ele, seria
ganho no tapetão, caso a Portuguesa revertesse a situação no jogo de
volta, tanto é que, antes do jogo, ele fez o seguinte discurso para os
jogadores: “Quero que vocês saibam que o campeonato está ganho. Temos
argumentos suficientes para convencer os juízes de que o São Paulo já é
campeão. Mas vocês devem correr e confirmar o título no campo. O São
Paulo preferiu gastar dinheiro com as gratificações de seus jogadores, em
vez de pagar honorários de advogados.”O São
Paulo estava concentrado no bucólico Rancho Silvestre, no município de
Embu (atual Embu das Artes), desde antes do primeiro jogo. Mas a calma
demonstrada pelos dois não surtiu efeito no jogo de volta, ao menos no
tempo normal.
Muricy,
por exemplo, foi expulso ainda no primeiro tempo, justamente quando era
o melhor jogador em campo, por uma entrada dura em Dicá logo depois de a
Portuguesa abrir o placar, com Enéas, após cruzamento de Wilsinho. “É
verdade que Muricy não atingiu Dicá”, disse o árbitro Dulcídio Wanderley
Boschilia depois do jogo. “Mas a violência do lance exigiu o cartão
vermelho.” Muricy foi ao vestiário adversário pedir desculpas a Dicá e
lá descobriu que não tinha machucado o adversário. “Eu estava pensando
que minha falta tinha sido mais dura”, admitiu o jogador. “O Dicá fez
mais encenação, a dor foi mesmo muito pequena. Como o juiz estava longe,
acabou me expulsando.”
Até
o gol lusitano, o São Paulo jogava fechado, apostando em
contra-ataques. E essa fórmula quase deu certo, pois as duas primeiras
chances de gol foram do Tricolor. A tensão que foi-se acumulando na
partida culminou com a expulsão de Muricy. Mesmo com um jogador a menos,
o São Paulo passou a pressionar, e Calegari salvou um lance em cima da
linha. Na continuação da jogada, do outro lado do campo, Waldir Peres
dividiu com Tatá para evitar o segundo gol luso — que não faria
diferença na decisão, uma melhor de três pontos.
O
panorama não mudou para o segundo tempo, com a Portuguesa ganhando
vários contra-ataques de presente. Como ambos os times perderam vários
gols, a Portuguesa conseguiu apenas devolver o placar do jogo de ida.
Ainda que tivesse conquistado, ao longo do campeonato, doze pontos a
mais que o adversário, o São Paulo teve de jogar uma prorrogação, que
funcionaria como um “terceiro jogo” na contagem de pontos. Justamente
por isso, Aidar alegava que o São Paulo teria direito a substituir
Muricy. A discussão atrasou em mais de vinte minutos o início do tempo
extra, o que só foi possível depois que o árbitro Dulcídio Wanderley
Boschillia deu ao Tricolor cinco minutos para “parar de discutir e
jogar”.
A
prorrogação terminou empatada sem gols e sem emoções: a Lusa não chutou
a gol no primeiro tempo, enquanto o Tricolor fez esse papel no segundo.
Assim, o título teve de ser decidido nos pênaltis, pela segunda vez em
três anos — e também pela última vez em 39 anos. Ali, sim, a
tranquilidade parece ter aparecido, e o Tricolor sagrou-se campeão: a
Lusa perdeu seus três pênaltis, e o São Paulo venceu por 3 a 0. Waldir
Peres pegou dois deles, de Dicá e de Tatá, enquanto Wilsinho chutou o
seu para fora. “Joguei junto com o Dicá muito tempo lá na Ponte Preta”,
explicou o goleiro. “Pensei que ele fosse mudar o modo de cobrar, mas,
quando vi que estava nervoso, pois correu e voltou atrás, tinha certeza
de que ia no canto esquerdo. Pulei, e a bola veio na direção de minhas
mãos.”
Muricy,
que não tinha tido coragem de assistir ao jogo, ficara no vestiário,
onde chorou muito. Com o fim das penalidades, foi procurado pelos seus
companheiros para participar da comemoração. O herói Waldir Peres foi
carregado nos ombros por cerca de duzentos torcedores. Vários deles
aproveitaram para dar voltas olímpicas quantas vezes conseguissem. Sim,
naquela época ganhar o Paulistão era muito importante!
O time do São Paulo campeão de 1975. Em pé: Valdir Perez, Gilberto, Paranhos, Arlindo e Chicão. Agachados: Terto, Murici, Serginho Chulapa, Pedro Rocha e Zé Carlos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário