terça-feira, 18 de julho de 2017

Campeão Paulista de 1975

A Campanha:
02/03-São Paulo 4x0 Paulista          Morumbi               
05/03-Comercial SP 0x2 São Paulo  Palma Travassos    
08/03-São Paulo 4x0 Ferroviária       Morumbi           
16/03-São Paulo 0x0 Guarani           Morumbi             
19/03-São Paulo 2x1 Marília         Pacaembu           
23/03-América SP 0x1 São Paulo  Mário Alves de Mendonça 
29/03-Corinthians 0x2 São Paulo     Pacaembu           
05/04-São Paulo 1x1 XV de Piracicaba  Morumbi    
13/04-Portuguesa 0x0 São Paulo          Pacaembu      
16/04-Portuguesa Santista 0x1 São Paulo  Ulrico Ursa 
20/04-Ponte Preta 1x2 São Paulo    Moisés Lucarelli   
23/04-Botafogo SP 0x1 São Paulo     Santa Cruz       
26/04-São Paulo 3x2 Juventus SP     Morumbi           
04/05-São Paulo 2x0 Santos            Morumbi          
07/05-São Paulo 2x1 São Bento      Morumbi           
10/05-SAAD EC 0x1 São Paulo     Pacaembu         
18/05-Noroeste 0x0 São Paulo    Alfredo de Castilho 
25/05-São Paulo 1x0 Palmeiras       Morumbi        
29/05-São Paulo 3x0 Portuguesa     Morumbi         
01/06-Marília 1x3 São Paulo       Bento de Abreu    
08/06-Portuguesa 1x1 São Paulo    Pacaembu         
15/06-Paulista 0x1 São Paulo        Jayme Cintra        
25/06-São Paulo 3x0 São Bento      Morumbi          
29/06-São Paulo 1x0 Santos           Morumbi            

 05/07-São Paulo 3x1 Comercial SP  Morumbi       
10/07-São Paulo 5x0 Noroeste        Pacaembu      
13/07-Botafogo SP 2x4 São Paulo   Santa Cruz       
20/07-Palmeiras 1x1 São Paulo      Pacaembu   
27/07-São Paulo 1x1 Portuguesa    Morumbi       
30/07-América SP 0x1 São Paulo Mário Alves de Mendonça
03/08-São Paulo 0x0 Palmeiras      Morumbi        
07/08-Santos 2x1 São Paulo          Morumbi      
10/08-São Paulo 2x1 Corinthians   Morumbi       
14/08-São Paulo 1x0 Portuguesa   Morumbi      
17/08-Portuguesa 1x0 São Paulo   Morumbi     

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40 ANOS DO CAMPEONATO PAULISTA DE 1975
Fonte: Alexandre Giesbrescht

 https://jogosdosaopaulo.com.br/40-anos-do-campeonato-paulista-de-1975-ce5f6fe3b8a7
   Quando falava do São Paulo que estrearia no Campeonato Paulista, naquele distante 2 de março de 1975, exatos quarenta anos atrás, o técnico José Poy respondia com uma pergunta retórica: “Quem está melhor do que nós?” Mesmo assim, o Palmeiras, que manteve o elenco campeão estadual de 1974 apenas dois meses e meio antes, era apontado como favorito pel’O Estado de S. Paulo. “Campeão de 74, favorito de 75”, decretava uma manchete do jornal naquele dia. As manchetes dos outros quatro grandes eram: “Lusa, sem ilusões”, “Santos inicia mais animado”, “O satisfeito S. Paulo” e “Corinthians não deve ter esperança” — o clube de Parque São Jorge tinha acabado de completar duas décadas de jejum, e o Estadão aproveitou para publicar um cartum de Zélio Alves Pinto, irmão de Ziraldo, ilustrando tal manchete.
Apenas São Paulo e Palmeiras começaram bem o torneio. O São Paulo goleou o Paulista de Jundiaí por 4 a 0, com dois gols nos primeiros quinze minutos de jogo. Marcaram Chicão, Muricy, Zé Carlos Serrão e Serginho. Já o Palmeiras ganhou por 3 a 0 da Portuguesa Santista. Enquanto isso, a Portuguesa suou para vencer a Ferroviária por 1 a 0, o Corinthians empatou por 1 a 1 com o XV de Piracicaba e o Santos perdeu em casa para o Marília, por 2 a 1. Esses resultados podiam dar a impressão de que o título do primeiro turno ficaria entre São Paulo e Palmeiras. Essa impressão acabaria rapidamente dissipada, porém a própria confecção da tabela sugeria que até mesmo a Federação Paulista imaginava que esse seria o desfecho, por isso marcou o clássico entre os dois para a última rodada. Afinal, os dois times tinham decidido o Paulistão em 1971 e em 1972, além do Brasileiro de 1973 e do confronto entre ambos na primeira fase da Libertadores de 1974. Cada rival levou vantagem duas vezes.
Três semanas após o início do campeonato, o Tricolor já tinha desagarrado na ponta, embora com jogos a mais. A Folha de S. Paulo do dia 24 escreveu que “cinco clubes disputam o título” (os ainda invictos São Paulo, Palmeiras, Guarani e Corinthians, além da Portuguesa — o Santos tinha quatro derrotas em cinco jogos). Já na rodada seguinte, o Palmeiras perdeu sua invencibilidade, frente ao Saad, de São Caetano.
Mais uns dias se passaram, e caiu também o Corinthians, perante o São Paulo: 2 a 0. Com seis vitórias em sete jogos e o atacante Serginho dividindo a artilharia do campeonato com Itamar, do Marília, o Tricolor mereceu a manchete “São Paulo, um futebol bem perto da perfeição” na Folha do dia 31, que ainda exaltou: “Antes de se tentar explicar esse time líder, invicto, com o melhor ataque, o artilheiro do campeonato, a defesa menos vazada e o melhor goleiro, é preciso lembrar que, de todos os times do Campeonato Paulista, foi o único que realmente teve a preocupação de treinar para chegar ao título. […] O desajustado Corinthians foi a última vítima do São Paulo, onde o maior craque é a união.”
Após a 16.ª rodada, o time só não tinha conquistado o título do primeiro turno com duas rodadas de antecedência porque o Palmeiras conseguiu bater o Corinthians no último minuto, com um gol de Edu. Mesmo assim, o alviverde tinha dois jogos a menos e remotas possibilidades de alcançar o rival: precisaria ganhar os quatro jogos que lhe faltavam, ver o Tricolor perder seus dois últimos jogos e descontar uma diferença de sete gols de saldo. Os próprios jogadores palmeirenses diziam acreditar que estavam apenas adiando a festa são-paulina por alguns dias.
E foram apenas alguns dias, mesmo. Três dias após vencer o Corinthians, o Palmeiras empatou sem gols com a Ponte Preta, e o São Paulo garantiu o título do turno sem entrar em campo. Bem, tecnicamente, o São Paulo estava em campo, pois, ao mesmo tempo em que o rival jogava no Parque Antártica, um misto são-paulino fazia um jogo-treino contra o Indiano. Quando o jogo que valia acabou, Poy e o presidente Henri Aidar ficaram sabendo, pelo rádio, e se abraçaram. Aidar ainda provocou: “O Palmeiras tirou o brilho da nossa vitória final.”
Poy garantiu que seguiria mandando o time titular a campo até o fim do turno: “Faço questão que [o São Paulo] jogue completo até o fim, para ser um campeão de fato.” Na penúltima rodada, o Noroeste segurou o empate sem gols com o São Paulo, que perdeu apenas seu terceiro ponto, todos em empates. E a última rodada previa o Choque-Rei. “Já pensou se eles [o São Paulo] terminarem o primeiro turno com sete pontos à nossa frente? Vai parecer que o time deles é melhor que o nosso, quando, na verdade, não é e foi apenas mais regular até agora”, questionou o zagueiro palmeirense Luís Pereira, às vésperas do clássico. O volante Dudu também acreditava na vitória de seu time: “É gostoso demais quebrar uma invencibilidade como essa.” Toda essa empáfia não adiantou nada, e o São Paulo saiu vencedor, mesmo com uma atuação pouco inspirada, o bastante para a vitória por 1 a 0 — gol de Pedro Rocha, aos 27 minutos do segundo tempo. O “meio” título foi motivo para uma festa da torcida que alcançou a madrugada na cidade.
Ao final do turno, o Tricolor acabou, sim, sete pontos à frente do Palmeiras 33×26), que não ficou nem com o vice-campeonato: este coube ao Corinthians, que bateu a Portuguesa Santista por 3 a 1 e foi a 27 pontos. O “meio” título são-paulino representou a classificação garantida para a final do campeonato, isso se não conquistasse também o segundo turno, o que lhe daria o troféu.
Se o primeiro turno teve a fórmula bastante simples, com todos jogando contra todos, o segundo trazia uma invencionice, tornando aquele o primeiro Campeonato Paulista com fórmula verdadeiramente “mirabolante”. Os dezenove times seriam divididos em dois grupos e jogariam apenas contra os times da chave oposta. Os três primeiros colocados de cada grupo classificar-se-iam a um hexagonal que decidiria, em turno único, o campeão do segundo turno. Não ficou claro como foi feita a divisão dos grupos, mas ela não pareceu ter nada a ver com a classificação dos clubes no primeiro turno.
Poy queria manter o ritmo no returno, algo que ele não conseguira fazer nas últimas rodadas da primeira fase, quando o time claramente tirou o pé do acelerador e venceu partidas quase que por osmose. A atuação na estreia, uma vitória por 3 a 0 sobre a Portuguesa Santista, sugeriu que o São Paulo estava no lugar certo, porém o técnico não ficou satisfeito, alegando que o adversário não jogou fechado na defesa, como era o esperado.
A despeito disso, o São Paulo seguiu na mesma toada. Em oito rodadas, tinha sete vitórias e um empate, garantindo matematicamente a classificação à segunda fase após a goleada por 5 a 0 sobre o Noroeste, no Pacaembu — que recebeu, naquela noite, rodada dupla; no mesmo local o Palmeiras bateu o Juventus por 2 a 1. Novamente, a tabela reservou para a última rodada o Choque-Rei. E, novamente, a motivação do Palmeiras era quebrar a invencibilidade são-paulina. “Nós vamos quebrar essa série invicta e dar uma vitória de presente ao [técnico] Valdir [de Moraes]”, avisou Luís Pereira. “A gente só estava torcendo para o São Paulo continuar invicto até chegar a vez de nos enfrentar.”
Mas também não foi dessa vez, e o São Paulo alcançou a marca de 36 partidas sem ser derrotado, superando a série invicta que o Corinthians obtivera em 1957. Se fossem incluídos os jogos do Torneio Laudo Natel e da amistosa Copa São Paulo, a marca era de 43 partidas, a maior do futebol paulista na era do profissionalismo. O Palmeiras jogou um pouco melhor no início do jogo e abriu o placar aos 32 minutos, com Leivinha. Melhor no segundo tempo, o Tricolor alcançou o empate com Muricy, de sem-pulo. “O São Paulo é isso, mesmo, resultado da força de todos”, explicou o então garoto, hoje o técnico tricolor. “Chegamos ao empate com calma e vontade.”
Os tricolores também reclamaram da violência do adversário, especialmente do ex-são-paulino Édson Cegonha. “A gente sabe que o Édson é bastante revoltado, mas ele não precisava entrar com tanta violência”, protestou Zé Carlos Serrão. O volante palmeirense defendeu-se: “O que houve foi muita encenação por parte dos jogadores do São Paulo. No intervalo, fui perguntar se o Zé [Carlos] havia sido substituído por ter-se machucado no lance comigo, e os jogadores do São Paulo falaram que não. Acho que o que impressionou foi aquela bola alta que disputei com ele. Eu levantei o pé um pouco, sou alto, e ele abaixou a cabeça e já é baixo. Mas não o atingi ali nem depois. Não com maldade ou deslealdade.”
No grupo A, a Portuguesa terminou na frente, com os mesmos catorze pontos do Palmeiras, mas levando vantagem no saldo. A terceira vaga ficou com o Santos (onze pontos). Já no B, o São Paulo mais uma vez sobrou, alcançando dezoito pontos (oito vitórias e dois empates em dez jogos) e ficando cinco pontos à frente do América de São José de Rio Preto no grupo B. A classificação do América foi a grande surpresa, pois ele acabou desbancando o Guarani, quarto colocado, enquanto o Corinthians ficou na terceira colocação, depois de ter sua vaga ameaçada na metade do returno.
O alvinegro acabou prevalecendo sobre o Guarani no saldo de gols, após ambos terminarem com doze pontos. Os campineiros, entretanto, reclamaram de um gol anulado na partida contra o Botafogo de Ribeirão Preto, pela última rodada, quando a vitória lhes teria dado a vaga e eliminado o Corinthians. “Perdemos a nossa vaga para o [árbitro] Armando Marques”, vociferou Leonel Martins de Oliveira, presidente do Guarani. A reclamação e o protesto na Federação não deram em nada.
O hexagonal foi chamado pela Federação Paulista de “Série Especial Independente”. A excelente vantagem conquistada pelo São Paulo de nada serviria nesse desdobramento do segundo turno, pois as seis equipes começariam do zero. Seria uma fase de tiro curto, com apenas cinco jogos para cada clube. Embora a tabela tenha sido divulgada com as datas, a Federação reservou-se o direito de determinar os horários sem muita antecedência, de acordo com seus interesses financeiros. Todas as partidas foram marcadas para o Morumbi ou Pacaembu, mesmo aquelas em que o América fosse o mandante. Não que o time tenha reclamado disso: sua expectativa eram as grandes rendas que pudessem ser proporcionadas.
A estreia são-paulina foi num empate por 1 a 1 com a Portuguesa, no Morumbi. Logo aos três minutos, Serginho teve um gol anulado por um duvidoso impedimento. “Só o bandeirinha viu impedimento”, lamentou o atacante. O São Paulo seguiu dominando, mas foi a Lusa que abriu o placar, com Enéas, aos 22 minutos. No segundo tempo, foi o time do Canindé que começou avassalador, e Waldir Peres fez duas grandes defesas antes dos cinco minutos. Aos sete, entretanto, Serginho empatou após cruzamento de Terto. “O gol [anulado] do Serginho foi legal”, reclamou Poy. “A Federação deve tomar cuidado quando escala bandeirinhas para jogos importantes. Nosso time ficou nervoso e começou a se preocupar com o juiz, prejudicando o seu futebol.”
Apesar do resultado, Serginho ainda achava que o time sairia campeão naquela fase: “Todas as partidas são encaradas como decisão de campeonato. A nossa vontade é maior que a das outras equipes.” Na partida seguinte, o São Paulo teve problemas contra o surpreendente América, que já tinha arrancado um empate sem gols do Corinthians na primeira rodada. A meta do goleiro Luís Antônio só foi vencida aos 33 minutos, quando Liminha pegou o rebote do chute no travessão de Serginho e marcou o único gol da partida. O jogador tinha entrado no lugar de Zé Carlos Serrão, aos treze minutos da segunda etapa, para seu primeiro jogo desde uma grave contusão que sofrera em 14 de março.
Assim como no domingo, os jogadores saíram de campo reclamando do árbitro, que deu cartão amarelo a Serginho quase no fim do jogo, por uma falta involuntária em que ele estava de costas para o lance. Era o terceiro amarelo do centroavante, que, assim, ficava suspenso para o clássico contra o Palmeiras. “A bola veio para mim, alta”, explicou. “Eu dei uma puxada de costas para o gol, e aquele zagueiro do América se atirou no chão, simulando contusão.Eu nem encostei nele, e isso pode ser provado pelo videotape.” Ele não parou por aí e teceu grave acusação contra o árbitro José Favilli Neto: “O máximo que ele poderia ter feito era assinalar falta. Mas não. Ele sabia que eu estava com dois cartões e mostrou o terceiro, sabendo que, assim, o São Paulo seria prejudicado nessa partida difícil contra o Palmeiras.”
No dia seguinte, uma rodada dupla no Morumbi teve a torcida também dos são-paulinos. Vitórias da Portuguesa sobre o Palmeiras e do Santos sobre o Corinthians deixariam o time em uma boa situação para as três rodadas que faltavam. E essas vitórias vieram: a Lusa marcou 3 a 0, e o Santos, 2 a 0. O São Paulo não era líder (a Portuguesa tinha os mesmos três pontos e melhor saldo), porém o Palmeiras estacionou nos dois pontos, em vez de chegar a quatro.
E ele seria o próximo adversário tricolor, no jogo de fundo de nova rodada dupla no Morumbi. Mais uma vez, a série invicta do rival foi assunto no Palmeiras antes do jogo. “Já pensaram se quebrarmos a invencibilidade do São Paulo?”, perguntou Luís Pereira. “O Palmeiras ficará bem na classificação, nós ficaremos muito entusiasmados e nem sei o que pode acontecer com os jogadores do São Paulo.”
Mas também não foi desta vez. O Palmeiras impôs uma forte marcação e não impediu apenas os gols, mas também a criação de jogadas de grande perigo. “Assim não dá mais para jogar”, protestou Muricy. “Eles não deixaram a gente jogar! Precisavam da vitória, mas entraram para empatar.” O técnico Valdir de Moraes discordava e culpava a ausência de seus zagueiros titulares, Luís Pereira e Alfredo Mostarda: “Claro que, sem eles, eu tinha que tomar algumas precauções. Mas não para empatar.” Houve muitas vaias da torcida, embora Poy tenha culpado torcedores de Corinthians e Portuguesa, que teriam permanecido no estádio após a preliminar entre os dois clubes — que terminara empatada por 1 a 1, resultado que não foi de todo ruim para o São Paulo, ainda um dos líderes, ao lado da Lusa. A manchete do Jornal da Tarde foi “Setenta mil pessoas vaiaram este jogo”.
O jogo entre América e Portuguesa foi realizado na quarta-feira, 6 de agosto, um dia antes do restante da penúltima rodada. E a segunda fase do segundo turno começou a ser decidida ali. O time interiorano saiu na frente, aos cinco minutos do segundo tempo, após escanteio que o goleiro Zecão não conseguiu afastar. A bola sobrou para Paulinho marcar, de primeira. Dois minutos depois, o empate da Lusa, com Tatá completando após dividida entre Wilsinho e o goleiro Luís Antônio. E fim de jogo.
Sim, porque, no início do lance, o assistente Mauro Félix da Silva marcou impedimento de Enéas, mas o árbitro Roberto Nunes Morgado ignorou-o e deixou a jogada seguir, até o gol. Os jogadores do América negaram-se a dar prosseguimento ao jogo, enquanto Morgado, irredutivelmente, recusava-se a consultar o bandeirinha, que permaneceu, impávido, na mesma posição. Por cerca de doze minutos, houve muita discussão, com invasão de campo por parte do técnico Urubatão e do diretor de Futebol Hélcio de Barros, ambos do time visitante, até que Morgado ordenou, pela última vez, que a saída fosse dada.
Não foi. Assim, ele apitou o final do jogo, não sem antes expulsar o zagueiro Miro, que o teria chamado de ladrão (Miro negou). Segundo Urubatão, ele foi voto vencido na decisão de “melar o jogo”, ideia do presidente Benedito Teixeira. Morgado e seus assistentes deixaram o gramado sob escolta policial, enquanto os jogadores americanos ficavam batendo bola e dando entrevistas. Eles só voltariam ao vestiário muito depois da saída do trio de arbitragem. Alguns criticaram a decisão do presidente, alegando que deveriam ter dado prosseguimento à partida e, em seguida, simulado contusões até ficarem sem o limite mínimo de jogadores em campo, o que teria sido sugerido por Barros.
“Estamos há um tempão longe de casa, concentrados em São Caetano”, lamentou Urubatão. “Mostramos que temos condições de fazer jogo duro com todos os grandes. E aí aparece um juiz como esse e liquida com todo o nosso trabalho. Temos que entender que nossos jogadores são humanos e não podem aguentar certas coisas.”
“Em nenhum momento duvidei da validade do lance”, afirmou o árbitro, ainda no estádio. Ele seria contradito pelas imagens da televisão, não pelo impedimento, que não ficou evidente, mas pela falta clamorosa de Wilsinho em Luís Antônio, que foi impedido de tentar defender o chute de Tatá. (Curiosamente, Morgado era o árbitro que tinha anulado um gol de Serginho, do São Paulo, contra a mesma Portuguesa, duas semanas antes. Na ocasião, ele havia validado o gol, mas voltou atrás depois de ver que seu assistente tinha dado impedimento no lance. As imagens da televisão também foram contra sua decisão final, ao mostrarem que o atacante são-paulino tinha condições de jogo.)
No dia seguinte, o departamento técnico da Federação Paulista de Futebol reuniu-se para elaborar um parecer para o Tribunal de Justiça Desportiva, prontamente referendado pelo presidente da FPF, José Ermírio de Moraes Filho. A recomendação foi de declarar a Portuguesa vencedora da partida, pelo placar de 1 a 0. Mesmo antes do julgamento, que só ocorreria na semana seguinte, o veredicto já estava preparado. O diretor do departamento técnico da federação explicou: “O juiz é quem decide. Se ele não tiver dúvidas, aponta para o meio-de-campo. Se estiver indeciso, baseia sua decisão em alguma assinalação que o bandeirinha pode ter feito durante a jogada. Mas tudo isso de longe. Nada de diálogos.”
Apesar de o advogado do América, José Geraldo Góis, bradar aos quatro ventos que não admitiria uma decisão da federação antes do julgamento, uma reunião entre Teixeira e Ermírio de Moraes já parecia ter deixado claro que o “diabo” acataria a pena que lhe fosse aplicada. O São Paulo, que brigava ponto a ponto com a Portuguesa, saiu fumegando da história. Ao jogar no dia seguinte, contra o Santos, o presidente Henri Aidar apontava para as arquibancadas vazias (o público foi de pouco mais de 23 mil pagantes, irrisório para a época) e reclamava: “É claro que o público tem de ser pequeno. O pessoal já sabe que, para conhecer o resultado do jogo, é preciso esperar pelo relatório dos juízes.”
Naquele momento, a única atitude que o São Paulo garantia que iria fazer era solicitar uma punição a Morgado, mas seus dirigentes não descartavam a ideia de recorrer ao TJD, como terceiro interessado. O diretor de Futebol José Douglas Dallora, contudo, não tinha grandes esperanças de sucesso: “O América foi um pouco ingênuo ao tirar o time de campo. Com isso, vai ser muito difícil evitar que perca os pontos do jogo.”
Se o São Paulo tivesse vencido o Santos naquela noite, talvez nem precisasse se preocupar muito com decisões extracampo, mas perdeu o jogo e a invencibilidade de quase nove meses (39 jogos pelo Campeonato Paulista; 46 no total): 2 a 1, com dois gols de Cláudio Adão e um de Pedro Rocha. A uma rodada do fim da fase decisiva, América e Palmeiras já não tinham mais chances, enquanto São Paulo, Santos e Corinthians tinham quatro pontos, dois atrás da Portuguesa. Como tinha o mesmo saldo do Santos, ao São Paulo restava apenas vencer o Corinthians e torcer para o Santos bater a Lusa — e o Tricolor teria de compensar o melhor saldo lusitano, além de não permitir que o peixe, então com o mesmo saldo, aumentasse essa diferença.
Mesmo com a possibilidade de uma combinação de resultados, os jogos não foram concomitantes. Foi marcada uma rodada tripla para o Morumbi, no domingo, com os dois eliminados fazendo a abertura, às 13h30, seguida pelo Majestoso, às 15h30, e por Santos × Portuguesa, a partir das 17h30. “Gostaram da novidade?”, jactou-se Ermírio de Moraes. “Resolvemos assim, incluindo mais um jogo, como presente ao público paulista.” (América e Palmeiras ficariam cada um com 5% da renda líquida a que os outros quatro times teriam direito.)
O São Paulo até venceu o Corinthians, por 2 a 1, com dois gols de Serginho, mas esse resultado já o alijava da briga. O Santos também venceu, mas faltou-lhe um gol: o 1 a 0 deu o título para a Portuguesa, mesmo com os três times terminando empatados com seis pontos. Quer dizer, ainda faltavam os recursos de Santos e São Paulo ao TJD. O do São Paulo não buscava mais repor ao menos um ponto ao América, mas, sim, a questionar a regra do saldo de gols como critério de desempate.
Não o saldo de gols em si, mas os jogos a que ele se referia. Para o São Paulo, o desempate deveria levar em consideração o saldo de gols do segundo turno inteiro, incluindo a primeira fase do mesmo: assim, teria um saldo de 20, contra 13 da Portuguesa e 4 do Santos. “É saldo de gols de todo o segundo turno, e não apenas destas finais”, protestava o médico são-paulino, Dalzell Freire Gaspar. “A não ser que o campeonato tenha tido três turnos. Se teve, o São Paulo venceu dois; se teve dois turnos, o saldo de gols deve ser válido por todo o segundo turno.” O argumento até faz algum sentido, mas o regulamento tinha sido aprovado por todos os clubes antes de o torneio começar…
No dia seguinte ao jogo, a sede da FPF, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, recebeu um grande movimento de cartolas e jornalistas. O presidente da Portuguesa, Osvaldo Teixeira Duarte, demonstrava confiança: “Meu amigo Zé Ermírio empenhou sua palavra de honra que a Portuguesa é campeã. A palavra do presidente vale muito para mim.” Aidar também: “Viemos buscar o título que nos pertence. Isto não é um recurso. É apenas um pedido de interpretação do regulamento. Por que considerar a fase final do segundo turno como quase um terceiro turno, com os times começando com o saldo de zero?”Mas o parecer final do departamento técnico foi definitivo: “O regulamento é claro. A Portuguesa é campeã.” Ermírio de Moraes ratificava: “As equipes estavam em chaves diferentes no segundo turno e não disputaram o mesmo número de jogos.” Isso antes mesmo de aparecer o recurso do Santos, o que só ocorreria no dia seguinte. Correu a notícia de que o clube também entraria com uma liminar solicitando o adiamento das finais do campeonato, já marcadas para aquela quarta-feira e o domingo seguinte, mas rapidamente esse boato desfez-se.
As finais teriam um confronto que vinha sendo equilibrado ao extremo: as dez partidas anteriores entre os dois clubes tinham terminado empatadas, desde 1973. Mas, ao menos no primeiro tempo do jogo de ida, o domínio foi todo do São Paulo, que pressionou bastante, mas só conseguiu marcar a dois minutos do intervalo. Muricy ganhou uma dividida com Calegari, e a bola sobre para Terto. O ponta cruzou para Pedro Rocha, que emendou de primeira, no canto oposto do goleiro Zecão.
Os jogadores lusitanos argumentaram que Muricy teria ganho a dividida com a mão, mas o árbitro Armando Marques depois explicaria: “O lance foi totalmente acidental.” O apresentador de TV Fausto Silva, então repórter d’O Estado de S. Paulo, escreveu, na crônica do jogo: “[As] reclamações [da Portuguesa] não tinham fundamento real.” Isso não impediu que os protestos fossem veementes, como o do presidente da Portuguesa, Osvaldo Teixeira Duarte: “Senhor José Ermírio [de Moraes, presidente da Federação Paulista], seja homem! Entregue a cadeira da Federação ao senhor Armando Marques. Ele demonstrou, mais uma vez, que manda no futebol paulista e é mais homem que muitos dos que estão aí, ocupando cargos.”
No segundo tempo, a Lusa buscou o empate e pressionou bastante, mas não conseguiu vencer a zaga são-paulina. Nos minutos finais, o São Paulo reassumiu o domínio, mas perdeu algumas chances de definir o jogo. Acabou não precisando delas, e a partida terminou com o placar mínimo, mesmo. Depois do apito final, Zecão partiu para cima de Armando Marques: “Você não é homem! Na próxima vez em que eu te encontrar, você vai apanhar! Eu posso acabar com a minha carreira, mas você vai apanhar, ouviu? Nem que seja na rua.” Armandinho deu de ombros: “Muita gente tem desejo de fazer isto ou aquilo, mas não o faz.”
No lado do São Paulo, Aidar já comemorava o título, que, para ele, seria ganho no tapetão, caso a Portuguesa revertesse a situação no jogo de volta, tanto é que, antes do jogo, ele fez o seguinte discurso para os jogadores: “Quero que vocês saibam que o campeonato está ganho. Temos argumentos suficientes para convencer os juízes de que o São Paulo já é campeão. Mas vocês devem correr e confirmar o título no campo. O São Paulo preferiu gastar dinheiro com as gratificações de seus jogadores, em vez de pagar honorários de advogados.”O São Paulo estava concentrado no bucólico Rancho Silvestre, no município de Embu (atual Embu das Artes), desde antes do primeiro jogo. Mas a calma demonstrada pelos dois não surtiu efeito no jogo de volta, ao menos no tempo normal.
Muricy, por exemplo, foi expulso ainda no primeiro tempo, justamente quando era o melhor jogador em campo, por uma entrada dura em Dicá logo depois de a Portuguesa abrir o placar, com Enéas, após cruzamento de Wilsinho. “É verdade que Muricy não atingiu Dicá”, disse o árbitro Dulcídio Wanderley Boschilia depois do jogo. “Mas a violência do lance exigiu o cartão vermelho.” Muricy foi ao vestiário adversário pedir desculpas a Dicá e lá descobriu que não tinha machucado o adversário. “Eu estava pensando que minha falta tinha sido mais dura”, admitiu o jogador. “O Dicá fez mais encenação, a dor foi mesmo muito pequena. Como o juiz estava longe, acabou me expulsando.”
Até o gol lusitano, o São Paulo jogava fechado, apostando em contra-ataques. E essa fórmula quase deu certo, pois as duas primeiras chances de gol foram do Tricolor. A tensão que foi-se acumulando na partida culminou com a expulsão de Muricy. Mesmo com um jogador a menos, o São Paulo passou a pressionar, e Calegari salvou um lance em cima da linha. Na continuação da jogada, do outro lado do campo, Waldir Peres dividiu com Tatá para evitar o segundo gol luso — que não faria diferença na decisão, uma melhor de três pontos.
O panorama não mudou para o segundo tempo, com a Portuguesa ganhando vários contra-ataques de presente. Como ambos os times perderam vários gols, a Portuguesa conseguiu apenas devolver o placar do jogo de ida. Ainda que tivesse conquistado, ao longo do campeonato, doze pontos a mais que o adversário, o São Paulo teve de jogar uma prorrogação, que funcionaria como um “terceiro jogo” na contagem de pontos. Justamente por isso, Aidar alegava que o São Paulo teria direito a substituir Muricy. A discussão atrasou em mais de vinte minutos o início do tempo extra, o que só foi possível depois que o árbitro Dulcídio Wanderley Boschillia deu ao Tricolor cinco minutos para “parar de discutir e jogar”.
A prorrogação terminou empatada sem gols e sem emoções: a Lusa não chutou a gol no primeiro tempo, enquanto o Tricolor fez esse papel no segundo. Assim, o título teve de ser decidido nos pênaltis, pela segunda vez em três anos — e também pela última vez em 39 anos. Ali, sim, a tranquilidade parece ter aparecido, e o Tricolor sagrou-se campeão: a Lusa perdeu seus três pênaltis, e o São Paulo venceu por 3 a 0. Waldir Peres pegou dois deles, de Dicá e de Tatá, enquanto Wilsinho chutou o seu para fora. “Joguei junto com o Dicá muito tempo lá na Ponte Preta”, explicou o goleiro. “Pensei que ele fosse mudar o modo de cobrar, mas, quando vi que estava nervoso, pois correu e voltou atrás, tinha certeza de que ia no canto esquerdo. Pulei, e a bola veio na direção de minhas mãos.”
Muricy, que não tinha tido coragem de assistir ao jogo, ficara no vestiário, onde chorou muito. Com o fim das penalidades, foi procurado pelos seus companheiros para participar da comemoração. O herói Waldir Peres foi carregado nos ombros por cerca de duzentos torcedores. Vários deles aproveitaram para dar voltas olímpicas quantas vezes conseguissem. Sim, naquela época ganhar o Paulistão era muito importante!
(Parte deste texto foi originalmente publicada em Jogos do São Paulo)

                                           Muricy e Ademir da Guia no Campeonato Paulista de 1975
                                                Muricy Ramalho em ação em 1975

O time do São Paulo campeão de 1975. Em pé: Valdir Perez, Gilberto, Paranhos, Arlindo e Chicão. Agachados: Terto, Murici, Serginho Chulapa, Pedro Rocha e Zé Carlos.



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